O Tribunal Superior Eleitoral decidiu repassar informações cadastrais
de 141 milhões de brasileiros para a Serasa, empresa privada que
gerencia um banco de dados sobre a situação de crédito dos consumidores
do País. A medida já está em vigor e afeta praticamente todos os
cidadãos com mais de 18 anos, que não terão possibilidade de vetar a
abertura de seus dados. O acesso foi determinado por um acordo de
cooperação técnica entre o TSE e a Serasa, publicado no último dia 23 no
Diário Oficial da União.
Pelo acordo, o tribunal
entrega para a empresa privada os nomes dos eleitores, número e situação
da inscrição eleitoral, além de informações sobre eventuais óbitos. Até
o nome da mãe dos cidadãos e a data de nascimento poderá ser "validado"
para que a Serasa possa identificar corretamente duas ou mais pessoas
que tenham o mesmo nome. O acordo estabelece que "as informações
fornecidas pelo TSE à Serasa poderão disponibilizadas por esta a seus
clientes nas consultas aos seus bancos de dados". Paradoxalmente, o
texto também diz que caberá às duas partes zelar pelo sigilo das
informações.
Violação da privacidade:
Especialistas em
privacidade e advogados ouvidos pelo Estado ficaram surpresos com a
"terceirização" de dados privados sob a guarda de um órgão público.
"Fornecer banco de dados para a Serasa me parece uma violação do direito
à privacidade, o que é inconstitucional", disse o criminalista Antonio
Cláudio Mariz de Oliveira.
"O importante é saber que esses
dados fazem parte da sua personalidade, e ela é protegida pela
Constituição", sustenta. Mariz acrescentou que, diante do debate
internacional sobre o programa de espionagem da agência de segurança
nacional dos Estados Unidos, o acordo "pode fazer parte de uma escalada
maior de quebra de privacidade" no Brasil.
Autorização:
Para Dennys Antonialli, coordenador
do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da
USP, o Tribunal Superior Eleitoral precisaria de "consentimento
expresso" dos cidadãos/eleitores para poder repassar seus dados a uma
entidade privada. Com a ressalva de que desconhece os termos do acordo, o
criminalista Pierpaolo Bottini disse que, em princípio, os dados de
eleitores sob a posse do TSE são "protegidos".
Ambos os
juristas ressaltaram que estas informações podem ser requeridas por um
juiz criminal à Justiça Eleitoral desde que sejam julgadas relevantes
para uma investigação. De acordo com o Bottini, o fato de ser necessário
um mandado para sua liberação indica que os dados não podem ser
vendidos.
Anderson Vidal Corrêa, diretor-geral do TSE, negou que o tribunal esteja abrindo dados sigilosos. Ele afirmou que itens como nome da mãe ou data de nascimento do eleitor serão apenas validados - ou seja, o órgão dirá à Serasa se a empresa dispõe ou não das informações corretas sobre determinada pessoa. Se o dado estiver incorreto, o TSE não vai corrigi-lo, argumentou Corrêa. O acordo, informou o tribunal, foi autorizado por Nancy Andrighi, corregedora-geral eleitoral.
Como contrapartida pela cessão dos dados, servidores do tribunal ganharão certificação digital (espécie de assinatura eletrônica válida para documentos oficiais) da Serasa, o que facilitará a tramitação de processos pela internet. As certificações, porém, só terão validade de dois anos. (Colaborou Lucas de Abreu Maia).
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